Calejar a canela realmente funciona?

Calejar a canela faz mal ou essa prática realmente funciona? Essa é uma questão que frequentemente intriga praticantes de artes marciais e outras modalidades de combate. 

Muitos atletas buscam fortalecer suas canelas para enfrentar os impactos das lutas e chutes, mas será que isso é seguro? 

Neste artigo, vamos desvendar se o calejamento é realmente uma estratégia eficiente ou uma prática perigosa. Leia até o final para entender.

Para que serve o calejamento na canela?

Há uma crença comum de que o calejamento é essencial para os lutadores de artes marciais, principalmente aqueles que praticam estilos de combate que envolvem chutes de canela, como Muay Thai e Kickboxing. 

A ideia é que, ao calejar a canela, o lutador terá uma camada extra de proteção, permitindo que ele possa desferir chutes mais poderosos sem sentir tanta dor ou desconforto. Além disso, acredita-se que por isso o chute também ficará mais forte. 

O mito do calejamento

Para entendermos porque alguns “especialistas” recomendam a prática do calejamento nas artes marciais, precisamos entender a crença por trás dessa prática. O argumento frequentemente utilizado para justificar a eficácia do calejamento é a analogia com o fortalecimento muscular. 

Por exemplo, para obter ganho de hipertrofia muscular, é necessário causar microlesões nas células musculares, resultando em músculos mais fortes. 

Essa mesma lógica é aplicada ao calejamento das canelas, acreditando que ao causar microlesões no osso, ele se tornará mais resistente. 

No entanto, surge a questão: será que essa linha de pensamento é realmente correta?

O que realmente acontece com o osso no processo de calejamento?

O osso é uma estrutura viva e dinâmica que passa por um processo contínuo de remodelação e adaptação às cargas exercidas sobre ele. No caso específico do calejamento, é importante entender como o osso reage a esse tipo de estímulo.

Quando ocorre uma fratura óssea, o osso entra em um processo de consolidação óssea, que é dividido em quatro fases distintas:

  1. Hematoma: Nesta fase inicial, ocorre a formação de um coágulo sanguíneo na área afetada. Esse hematoma atua como uma espécie de ponte entre os fragmentos do osso fraturado.
  2. Calo mole: A segunda fase é caracterizada pela formação de um calo ósseo de consistência mais mole ao redor da fratura. Esse calo é composto por células ósseas em processo de regeneração e é responsável por estabilizar a área fraturada.
  3. Calo duro: Na terceira fase, o calo ósseo se torna mais denso e rígido à medida que a regeneração óssea continua. Esse calo duro começa a restaurar a resistência do osso fraturado.
  4. Remodelação óssea: A última fase é a remodelação óssea, na qual o osso é continuamente reorganizado para recuperar sua forma e estrutura original. Durante essa fase, o osso reajusta sua densidade de acordo com as demandas mecânicas impostas pelo uso diário.

Mas como isso se relaciona com o calejamento das canelas ou outras áreas do corpo frequentemente sujeitas a impactos e lesões repetitivas?

É importante destacar que o calejamento não é um processo natural de consolidação óssea causado por fraturas. Na verdade, essa prática de bater ou golpear as canelas com cabo de vassoura ou outros instrumentos com o objetivo de criar calos ósseos pode ser prejudicial e resultar em lesões, sem oferecer os benefícios pretendidos.

Portanto, é essencial entender que o calejamento não se baseia no mesmo princípio do fortalecimento muscular por meio de microlesões. Na verdade, ao realizar o calejamento você pode deixar seus ossos mais suscetíveis a lesões.

Existe uma maneira mais segura e inteligente de fortalecer os ossos?

A boa notícia é que existe sim uma maneira mais segura e inteligente de fortalecer os ossos. Para isso, você precisa entender algo que temos nos osso chamado de Densidade Mineral óssea (DMO)

A DMO é um indicador da resistência e da força dos ossos, sendo crucial para evitar fraturas e lesões. 

Ao longo da vida, a densidade mineral óssea atinge seu pico por volta dos 30 anos, o que significa que esse é o momento em que os ossos são mais fortes e resistentes. A partir dos 30 anos, a DMO tende a diminuir gradualmente, o que pode levar ao aumento do risco de osteoporose e fraturas em idades mais avançadas.

Você já ouviu ou conhece algum idoso que fraturou o osso por levar uma vida sedentária?

Aqui está um grande segredo: o exercício físico é comprovadamente uma das técnicas mais eficazes de aumentar a DMO, tornando seu osso mais forte e saudável.

Abaixo, vamos falar sobre quais são os melhores exercícios para fortalecer os ossos.

Quais são os melhores exercícios para fortalecer os ossos?

Os melhores exercícios para fortalecer os ossos são aqueles que envolvem atividades de impacto e carga de peso. 

Os exercícios de impacto como saltos, estimulam as células ósseas a se regenerarem e aumentam a densidade mineral óssea (DMO). 

Além disso, exercícios de resistência, como levantamento de peso, musculação e exercícios funcionais, colocam uma carga adicional nos ossos, promovendo sua adaptação e fortalecimento. 

A própria prática de esportes de combate é comprovada cientificamente como meio de aumentar a DMO.

Portanto, para ter ossos mais saudáveis, fortes e resistentes é necessário realizar treino de força. Isso lhe garantirá menos risco de fraturas e uma velhice mais saudável, além de um treino seguro e extremamente eficiente. 

Conclusão

O calejamento para a canela pode ter impactos na saúde óssea dos lutadores, principalmente relacionados ao risco de calo ósseo. Por isso, é fundamental que os praticantes de artes marciais adotem uma abordagem segura e bem orientada para seus treinamentos, priorizando a saúde óssea e evitando riscos desnecessários. Além disso, é importante que os lutadores estejam cientes da importância da densidade mineral óssea ao longo da vida e tomem medidas preventivas para garantir ossos fortes e resistentes durante toda a sua jornada nas artes marciais.

Referências:

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GUSMÃO, C. V. B. de ., & Belangero, W. D.. (2009). Como a célula óssea reconhece o estímulo mecânico?. Revista Brasileira De Ortopedia, 44(4), 299–305.

STATHAM, Louise; SNELSON, Gavin; ASPRAY, Terry. Osteoporosis and Bone Health. A Comprehensive Guide to Rehabilitation of the Older Patient E-Book: A Comprehensive Guide to Rehabilitation of the Older Patient E-Book, p. 217, 2020.

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Sarah Gomes

Bacharela e licenciada em Educação Física (UNICAMP); Especialista em bioquímica, fisiologia, nutrição e treinamento esportivo (UNICAMP) e Mestre em Biodinâmica do Movimento e Esporte (UNICAMP).