Levar soco na cabeça faz mal? Saiba as complicações que os esportes de combate podem causar na vida dos atletas
Como evitar uma lesão assustadora que causa consequências irreversíveis
Você já se perguntou se levar socos na cabeça faz mal? Novos estudos apontam que levar pancadas na cabeça por consecutivas vezes podem causar prejuízos irreversíveis para atletas de esportes de combate.
A lesão mais comum é a concussão que pode acontecer não só nos esportes de combate, mas também em todas as modalidades que envolvem contato (futebol, futebol americano, etc.).
No artigo do Ciência do Ringue de hoje você vai descobrir o que é a concussão e quais são os prejuízos que levar golpes na cabeça podem acarretar a vida dos praticantes de esportes de combate.
O que é concussão?
A concussão é uma lesão cerebral causada por uma pancada na cabeça ou uma agitação violenta da cabeça e do corpo.
Você já percebeu o quanto isso é comum em esportes de contato? Em uma luta, por exemplo, é impossível não levar socos e chutes na cabeça. É algo comum principalmente para os competidores destes esportes.
Mas, se você acha que isso acontece apenas nas lutas, não se engane! Outras práticas como futebol americano, hóquei, rugby, futebol apresentam risco de exposição a concussão e lesões cerebrais.
Vale ressaltar que esse risco é muito baixo para praticantes com objetivos de saúde, lazer, recreação, qualidade de vida e fins estéticos. Os riscos da concussão e suas consequências são infinitamente maiores para os atletas.
Os sintomas mais comuns de concussão incluem:
- Sonolência
- Dor de cabeça
- Perda de memória
- Irritabilidade
- Confusão
- Problemas de equilíbrio, tonturas
- Sensibilidade à luz (fotofobia)
- Dificuldade em falar e comunicar
- Dificuldade em manter o foco mental
- Depressão
- Náusea e vômito
- Mudanças nos padrões de sono
- Perda de consciência (ocorre em menos de 10% dos casos)
COMPLICAÇÕES: a ocorrência de repetidas pancadas na cabeça pode levar a Encefalopatia Traumática Crônica
Imagine um atleta que levou golpes na cabeça por 10 anos consecutivos, isso porque a maioria pode ter muito mais anos de treino, mas vamos ficar com os 10 anos…
Você já parou para pensar quantas socos esse atleta levou na cabeça? Quantas concussões ele já teve mesmo que não sabia que estava passando por uma lesão cerebral leve?
Agora chegamos ao ápice deste problema.
Infelizmente, há pouca informação de fácil acesso entre os atletas e treinadores sobre o quanto isso pode prejudicar a vida dos atletas de esportes de combate. A verdade é que pancadas repetidas ao longo de muitos anos podem acarretar em uma doença incurável chamada Encefalopatia Traumática Crônica (ETC).
A ETC já foi conhecida como Síndrome Boxer; Punch Drunk e Demência Pugilística. É uma doença neurodegenerativa evolutiva e incurável que é consequência a longo prazo de uma única ou repetitivas lesões na cabeça, sendo mais comum em ex-atletas de esportes de contato. Por possuir muitas semelhanças com o Alzheimer, o diagnóstico muitas vezes é dado de forma errada.
Vale ressaltar que todos os casos de ETC confirmados neuropatologicamente têm história de exposição a trauma cerebral, mas nem todos os indivíduos com exposição a trauma cerebral desenvolvem ETC. As pesquisas mostram que 17% dos indivíduos que sofrem concussão irá desenvolver a Encefalopatia Traumática Crônica.
Consequências da Encefalopatia Traumática Crônica:
- Declínio da memória e cognição
- Depressão
- Comportamento suicida
- Agressividade
- Parkinson
- Demência
Diagnóstico da Encefalopatia Traumática Crônica
Por se tratar de uma descoberta recente, atualmente não existem biomarcadores disponíveis para o diagnóstico da ETC.
Avanços na tecnologia de neuroimagem prometem detectar aspectos mais detalhados desta doença.
Patologicamente, a ETC é caracterizada por atrofia cerebral e do lobo temporal medial, ventriculomegalia, cavum do septo pelúcido aumentado e extensa patologia imuno reativa à tau em todo o neocórtex, lobo temporal medial, diencéfalo, tronco encefálico e medula espinhal. Esses aspectos podem ser detectados por um exame de neuroimagem como ressonância magnética e tomografia.
Encefalopatia Traumática Crônica nos esportes de combate
Um estudo mostrou que o intervalo de tempo entre a aposentadoria do atleta e o início dos primeiros sintomas pode variar bastante. Por exemplo, em atletas de boxe, o intervalo foi de 0 a 37 anos. O mesmo estudo mostrou que os ex-atletas de boxe podem viver com a doença por 33, 34, 38, 41 e 46 anos, frequentemente (46%) recebem o diagnóstico de forma errada para Doença de Alzheimer. Além disso, muitos morrem jovens por volta dos 45 anos de idade e apresentam no decorrer da doença, mudanças de comportamento, distrofia, confusão, paranóia, irritabilidade, violência e agressão, perda de memória, alterações cognitivas, parkinsonismo, demência, entre outros sintomas.
Não precisa ir tão longe para encontrarmos um ex-atleta de lutas com essa doença. No Brasil, o ex-boxeador Maguila de 64 anos foi diagnosticado com Encefalopatia Traumática Crônica. Maguila teve 17 anos de carreira, 85 lutas e 77 vitórias, mostrando o quanto o tempo de luta e experiência no ringue pode estar relacionada com a doença.
Como disse anteriormente, o conhecimento sobre essa informação entre os atletas e treinadores ainda é muito pequena e isso fica nítido em uma fala do próprio Maguila ao seu médico “Ele lamentou, falou que nunca imaginou que o boxe poderia trazer isso para ele”.
Maguila também tinha sido diagnosticado com Alzheimer no primeiro momento, mostrando o quanto essas doenças são bem parecidas.
Outro caso impactante é o Éder Jofre, conhecido como “Galo de Ouro”, foi tricampeão mundial de Boxe. Jofre fez 81 lutas em sua carreira, teve 75 vitórias, sendo 50 por nocaute e apenas 2 derrotas. Ele entrou para o “Hall da Fama” do boxe e foi considerado o melhor pugilista dos anos 60. Mas, infelizmente, Éder entrou para a lista dos ex-atletas diagnosticados com demência (ETC) e veio a falecer 2022.
Veja também: O que fazer depois de uma concussão no esporte?
O uso de capacetes protege dessa doença?
Segundo a University of Michigan Health, o uso de capacetes e outros equipamentos de proteção pode protegê-lo de lesões mais graves, entretanto, nenhum equipamento pode eliminar o risco de concussão.
Conclusão:
Fortes impactos na cabeça são algo muito comum nos esportes de combate, podendo causar concussão e, no longo prazo, a Encefalopatia Traumática Crônica.
Infelizmente, essa informação ainda é pouco difundida dentro da modalidade e muitas vezes, os próprios atletas não sabem do risco que correm ao optar por levar o esporte como profissão. A consequência disso pode ser um futuro cheio de complicações ao ter que lidar com uma doença incurável.
O Ciência do Ringue recomenda que todos os riscos envolvidos sobre a participação de indivíduos no esporte competitivo e de alto rendimento seja discutido entre os participantes. Esse foi um dos motivos que nos levou a escrever e publicar esse artigo.
Esse artigo não é uma crítica aos esportes de combate, afinal somos uma página apaixonada pela ciência e pelo mundo das lutas. Além disso, já é provado que qualquer esporte praticado de forma competitiva deixa de ser saudável, sendo que cada modalidade possui seus riscos específicos.
No caso dos esportes de contato e dos esportes de combate, um grande risco são as pancadas percutidas na cabeça que levam a concussão, e está podendo levar ao aparecimento da Encefalopatia Traumática Crônica.
É importante que o treinador esteja atento a esse risco para realizar a rotina de treinos com mais segurança. Infelizmente, durante a competição esse risco aumentará, pois os golpes serão deferidos a todo tempo e o risco pode ser ainda maior nas modalidades que valem o nocaute.
Acreditamos que em um futuro próximo o número de casos de demência entre os atletas aumentará, pois com o crescimento das Artes Marciais Mistas (MMA) e das competições de Muay Thai sem luvas, aumenta as chances dos atletas desenvolverem a Encefalopatia Traumática Crônica.
Veja também: O que fazer depois de uma concussão no esporte?
REFERÊNCIAS:
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